Heloneida Studart é uma escritora cearense , ensaísta, teatróloga, jornalista, defensora dos direitos das mulheres e política brasileira. Foi seis vezes deputada estadual do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores.
Foi uma voz ativa pela licença-maternidade de 120 dias e criou lei que garante às mães pobres testes gratuitos de DNA para responsabilizar pais.
Com apenas nove anos, ainda estudante do colégio de freiras Imaculada Conceição de Fortaleza, escreveu sua primeira história, a que deu o título de "A menina que fugiu do frio". Aos 16 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se colunista do jornal "O Nordeste" . Publicou, em 1953, seu primeiro romance, "A primeira pedra", e, quatro anos depois, seria premiada pela Academia Brasileira de Letras pelo segundo título publicado, "Dize-me teu nome."
O poder desarmado
Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.
Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente esqueceu, morrendo tuberculosa.
Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas e punhais. Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derrama-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência. É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz.
E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d’água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas. São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.
Viva Rita Lee que canta:
“nem toda feiticeira é corcunda,
nem toda brasileira é bunda
e meu peito não é de silicone…
sou mais macho que muito homem”.
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