sábado, 28 de abril de 2018

Mais uma vez...Sobre Educação e Prática e Praxis Pedagógica.

E cá estamos dialogando novamente sobre os assuntos do dia a dia de um (a) educador(a). Sobre Conselho de classe, já perguntei anteriormente "que merda é essa? Também já expus algumas sentenças a saber:

- Estudantes só fazem trabalhos se " valer" ponto;
- Estudantes só vem pra aula dia de sábado só se " valer" ponto;
- Os estudantes " não querem nada";
- Aula com filmes " não é aula";
- Professores de Humanas são " de boa";
- Professores de Exatas são "demônios";
- Conselho de classe é " pra lascar" os alunos;
- Estudantes não tem condições de se autoavaliar;
- Estudantes não tem condições para avaliar professores; 
Também afirmara que guardando as devidas proporções a escola é tão bela, complexa e perigosa quanto o universo. É o espaço onde podemos reproduzir e alimentar os vícios e doenças da sociedade bem como destruí-los. O que mais me incomoda são os estereótipos e determinadas culturas secularmente regadas.   
É gente, retirando os poucos, pequenos e raros exemplos, parece que as coisas continuam do mesmo jeito. No bem da verdade temos que compreender que a  educação do ser humano começa no momento do seu nascimento; antes de falar, antes de entender, já se instrui. E jamais podemos nos furtar do que nos diz Sêneca - " A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida" caso contrário nos aproximaremos do que também afirma Confúcio, que " por natureza, os homens são próximos; a educação é que os afasta".
Dito posto senhoras e senhores defendo que temos que praticar uma educação para a autonomia caso contrário continuaremos na esteira da linearidade e agindo como zumbis e empilhadores, e sobre tal fato o Mestre Paulo Freire faz a seguinte reflexão: " O educador faz “depósitos” de conteúdos que devem ser arquivados pelos educandos. Desta maneira a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. O educador será tanto melhor educador quanto mais conseguir “depositar” nos educandos. Os educandos,  por sua vez, serão tanto melhores educados, quanto mais conseguirem arquivar os depósitos feitos. (Freire, 1983:66)”.
A máxima: "formar cidadãos conscientes, críticos e participativos" é vomitada aos montes por aí e por várias criaturas, inclusive por nós os professores, alguns...e poucos assim quero acreditar. Pois bem, se assim o é e assim que "falamos" porque alguns colegas do magistério se incomodam tanto quando é proposto a participação de estudantes nos conselhos de classe? E a ideia de estudantes contribuírem com a avaliação dos professores? E a ideia de estudantes representantes de sala serem responsáveis pelo preenchimento de diários de classe e acompanhar o registro das frequências e dos conteúdos ministrados e a ideia de ter-se assembleia de alunos?
Nobres colegas tais questões chegam a causas espasmos...mas porque? Será que não estamos sabendo fazer nosso trabalho? Orientar, conduzir e fundamentar os estudantes. Sim, creio que sabemos fazer isso! E se não soubermos vamos aprender...nos somos inteligentes! O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele e é no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade, já diz Immanuel Kant.

Cecília Meirelles, em sua saborosa poética, assim escreve: "Ensinar é acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética, afetuosa e participante." e Cora Coralina assim nos brinda: "Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. E a educação é uma coisa admirável, mas é bom recordar que nada do que vale a pena saber pode ser ensinado, assim LACRA Oscar Wilded.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Caim*

É com grande satisfação que publico aqui neste espaço a terceira produção do Professor Mestre em Letras e meu agradável amigo Aglailson Lopes. Baseado no livro Caim de José Saramago.


* Por Aglailson Lopes, professor Mestre em Letras pela UFC.


Um dos livros mais recentes de Saramago conta a história de um personagem bíblico estigmatizado pelo assassinato do irmão, trata-se de caim[1], filho primogênito de adão e eva. Nesta retomada de questões bíblicas, Saramago apresenta um personagem à altura de tantos outros criados por ele, mormente aqueles apresentados no seu evangelho, como Maria, Maria Madalena e o próprio Jesus. Caim é um dos personagens masculinos de Saramago de muita dimensão, o que é raro em Saramago, uma vez que a narrativa, intrínseca e extrínseca, depende dele de cabo a rabo. Caim é o filho que não mantém relação filial com os pais biológicos, pois adão e eva são apenas coadjuvantes numa história onde o filho predomina. E deus? Deus é um senhor de onisciência duvidosa, mas de onipotência capaz de assassinar crianças. E caim nunca deixa de lembrá-lo disso, acusa-o pelos distúrbios humanos. Caim é a imagem e semelhança de deus, um senhor capaz de mais destruir do que construir. Para Saramago, e isso se faz perceber em suas narrativas bíblicas, o homem não é a imagem e semelhança de Deus, Deus é que é a imagem e semelhança do homem, visto ter sido invenção deste. Caim é o ser humano em sua maior essência, e não é a espiritual.  É o ser em busca de algo, talvez dele mesmo, mas precisa por si mesmo conhecer o mundo, ou o mundo que se conhecia a sua época. Caim trafega entre a história, a filosofia, antropologia, arqueologia, sociologia, mas pouca religião. De religião o livro de Saramago apenas faz denúncias, sem entrar no mérito da questão, é, pois, um relato que se estende do personagem que intitula a narrativa até o leitor enganado por uma história que poderia ter sido a de um hagiógrafo, porém esbarra nos limites humanos, no caso a trajetória de vida caim, que de santo não tinha nada, nem o queria ter. A narrativa não poderia começar diferente, inicia-se pelos pais biológicos de caim, ou a tentativa do senhor de povoar com o ser humano o mundo. Como não poderia deixar de ser, inicia-se com ironia, marca de Saramago na maior parte de suas narrativas.

Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a adão e eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais, produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio de mugidos e rugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos, desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta abaixo.[2]

Se o leitor bem observar, desde o início da narrativa Saramago põe em dúvida a onisciência de deus. O senhor não passa de um ser com os mesmos predicados humanos. Se erra, busca responsabilizar outro, mas se esse outro não existe, irrita-se consigo mesmo, no entanto procura resolver a situação a sua maneira e gosto. Aqui o autor duvida da divindade de deus e chama o leitor para compactuar com a sua conjectura. O deus saramaguiano não é um ser que se desgaste por pouco, dá logo um jeito para solucionar um problema, mesmo que a solução seja contestada mais adiante. Saramago não se pretende teólogo, mas questiona a autoridade e autenticidade de deus, mesmo que isso se faça em uma simples ironia, como a anteriormente transcrita. Se deus cria, inventa e contempla, esse mesmo deus te deixa ao deus dará, ou seja, joga o que criara para se resolver, uma vez que a principal parte já fora feita, deus te criara, daí agora é contigo, vai e vive sem perturbar o senhor. Mas caso o perturbes, aguenta as consequências, pois a ira de deus não poupa nem a menor das criaturas. Caim, o personagem de Saramago, percebe isso, e para se defender cria situações delicadas para o ser divino. Questiona deus não como divindade, mas como um ser à imagem e semelhança do homem. Saramago apresenta esse deus tal qual se percebeu no seu evangelho segundo Jesus Cristo, não é todo amor, mas pura ira e vingança. Podemos arriscar que o deus saramaguiano é um ente que, para existir, tem que se confrontar com a sua criação, ou seja, deus está sempre se embatendo com o homem, mulher e quem mais lhe tentar tomar a frente. E caim? Bem, caim está nas mãos de deus desde o assassínio do irmão abel. Na passagem que se segue, há um breve ideia do motivo que o levou a matar o irmão. Saramago tenta completar uma lacuna do texto bíblico. Consegue? Isso vai depender da dimensão a que o leitor pretende chegar. Vejamos, pois, o relato.

Estava claro, o senhor desdenhava caim. Foi então que o verdadeiro carácter de abel veio ao de cima. Em lugar de se compadecer do desgosto do irmão e consolá-lo, escarneceu dele, e, como se isto ainda fosse pouco, desatou a enaltecer a sua própria pessoa, proclamando-se, perante o atónito e desconcertado caim, como um favorito de deus.[3]

            Não era de se admirar que caim entrasse em estado de transtorno, porque deus dedicava mais atenção a abel do que a ele. Um deus que glorifica um em detrimento do outro não era concebido pelo atónito caim, era, pois, um deus escarnecedor, um pai sem a menor consideração pelo mais fragilizado, senão física, mas emocionalmente.
Caim vai ao encontro de deus após o fratricídio, defendendo-se de forma ríspida. Diz que o senhor é também culpado, porque, se o sabia um assassino, então que evitasse a pendenga fraterna. Deus concorda, mas o pune. Deus o pôs a perambular pelo mundo com uma marca na testa, como se essa revelasse quem era caim e o protegesse dos desígnios humanos. Assim sucedeu. Caim sai à procura de algo que lhe atenue a angústia de ter matado o irmão, sem qualquer “motivo para orientar os seus passos numa direcção precisa”. Sente que a vida lhe reserva alguma coisa e, institivamente, sai em busca de uma resposta que, pelo menos, deixe-o em paz consigo mesmo. Encontra trabalho, mulher, sexo, muito sexo, e algo que não consegue explicar, de repente se encontra em ambientes desconhecidos, entrando em contato com pessoas distantes no tempo e no espaço, a saber: lilith, abraão, moisés, josué, lot, job noé, a esposa, os filhos e as noras de noé, satã e outros de menor expressão narrativa.
Não compreendendo o real sentido da passagem de um tempo a outro, caim se deixa conduzir pela situação, suspeitando sempre que o senhor estaria por trás desse desnível temporal. Como resposta entra no jogo. Verifica as atrocidades que ocorreram em nome de deus. Cerifica-se de que esse deus não mede esforços para aniquilar aqueles que o atravancam os seus desejos. Morte, adultério, incesto, enfim, tudo permitido, se nada atrapalhasse os desígnios do senhor. Testemunha até um acordo entre deus e satã para a infelicidade de job. Como pode deus duvidar de um servo, se esse servo sempre lhe foi obediente? Questionava-se acerca de job.

Infelizmente foi pior que tudo o que se poderia esperar. Munido da carta de plenos poderes que lhe havia sido concedida, satã atacou ao mesmo tempo em todas as frentes. Um dia em que os filhos e filhas de job, sete, eles, três, elas, estavam à mesa a beber vinho em casa do irmão mais velho, um mensageiro, precisamente o nosso conhecido caim, que, como sabemos, trabalhava com os asnos, veio dizer a job, Os bois lavravam e as jumentas pastavam perto deles, de repente apareceram os sabeus e roubaram tudo e passaram os criados a fio de espada, só escapei eu para te trazer a notícia. Ainda caim estava a falar quando chegou outro mensageiro e disse, O fogo de deus caiu do céu, queimou e reduziu a cinzas as ovelhas e os escravos, só escapei eu para te trazer a notícia. Ainda este não se tinha calado e outro chegou, Os caldeus, disse, divididos em três quadrilhas, lançaram-se sobre os camelos e levaram-nos depois de terem passado os criados a fio de espada, só escapei eu para te trazer a notícia. Ainda este estava a falar, e eis que entrou outro e disse, Os teus filhos e as tuas filhas estavam a comer e a beber vinho em casa do irmão mais velho, quando de repente um furacão se levantou do outro lado do deserto e abalou os quatro cantos que desabou sobre eles e os matou a todos, só eu consegui escapar para te trazer a notícia. Então job levantou-se, rasgou o manto e raspou a cabeça, feito o que, prostrado por terra, disse, Saí nu do ventre de minha mãe e nu hei-de voltar ao seio da terra, o senhor mo deu, o senhor mo tirou, bendito seja o nome do senhor.[4]

É de se estranhar a sequência de fatos trágicos que caem sobre a vida de job. Como que por milagres as tragédias acontecem, melhor, como que por obra de deus as tragédias acontecem. Se deus sabia da obediência de job, por que o haveria de testar? Era algo inconcebível para caim. Além do mais, o próprio deus permitiu que seu inimigo atacasse o seu servo. As dúvidas de caim sobre os ditames de deus faziam sentido, uma vez que deus dava motivos suficientes para que o filho de eva e adão ficasse intranquilo no que toca à figura divina.
Segue a vida até caim encontrar um novo tempo. Um tempo em que deus decide que tudo sobre a terra deve perecer. Mas como isso poderia acontecer, se deus foi o mesmo criador daqueles e daquelas a quem ele chama de perdidos? Na concepção limitada do ser humano, o ser humano no caso é caim, deus nos faz de fantoches para o que lhe aprouver. Usa de noé e de sua família para repovoar a terra, para tanto põe caim entre eles para ser uma espécie de reprodutor que cobre as noras de noé. Mas caim tem um plano. Se essa raça criada por deus tem que acabar que comece no seio em que deus decidiu como puro, isto é, a família do velho noé. Caim assassina a quem deus designou para repovoar o mundo, como que a dizer para o próprio deus, “se começou tudo errado, por que haveremos de dar continuidade a esta existência, que tudo se acabe, e que deus assuma as suas responsabilidades.” E deus debate com caim

Então a nova humanidade que eu tinha anunciado, Houve uma, não haverá outra e ninguém dará pela falta, Caim és, e malvado, infame matador do teu próprio irmão, Não tão malvado e infame como tu, lembra-te das crianças de Sodoma. Houve um grande silêncio. Depois caim disse, Agora já podes matar-me, Não posso, palavra de deus não volta atrás, morrerás da tua natural morte na terra abandonada e as aves de rapina virão devorar-te a carne, Sim, depois de tu primeiro me haveres devorado o espírito.[5]

A destreza de Saramago de dar voz aos personagens de menor intensidade histórica é única na contemporaneidade. Caim poderia perfeitamente se contentar com os apelos sexuais que lilith lhe proporcionava. Mas não. O filho de eva e adão, estigmatizado nas vertentes religiosas do judaísmo e do cristianismo, não se contenta em se limitar aos apelos do sexo, que, de forma indireta, através de lilith, o senhor o queria como escravo. Caim vai atrás de um sentido, mas se depara com a intransigência divina, então decide caim que o melhor é acabar com tudo o que foi criado, visto que deus sempre encontrará motivos para rever o que ele mesmo fez, o que é um paradoxo, visto que, se deus é, como fazer e refazer? Onde está, pois, a perfeição divina? Termina a história. Ao seu estilo, com diálogos intercalados nos períodos, a ironia e o questionamento filosófico, Saramago deixa em dúvida crentes e ateus sobre o sentido da vida concebida e concedida por deus.

 

[1] Idem, ibidem, p. 172



[1] Os nomes dos personagens de Saramago são marcados com inicial minúscula, daí, ao grafarmos o nome do personagem com inicial minúscula, estamos nos referindo ao personagem criado por Saramago.
[2] SARAMAGO, José. Caim. São Paulo: Companhia da Letras, 2009, p. 9.
[3] SARAMAGO, José. Caim. São Paulo: Companhia da Letras, 2009, p. 33
[4] Idem, ibidem, pp. 137-8.
[5] Idem, ibidem, p. 172