UNIVERSIDADE ESTADUAL DO
CEARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM METODOLOGIA DO ENSINO DE ARTE
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO ENSINO DE ARTE
PROFESSOR: Dr. JOSÉ ALBIO MOREIRA DE SALES
ALUNO: HENRIQUE GOMES DE LIMA
01.
JUSTIFICATIVA
“A história da arte se
baseia em noções de estilo próprio e talento individual.
De uma perspectiva
comercial, uma obra da ‘escola de Rembrandt’
não poderia nunca atingir
os preços estratosféricos de uma obra autêntica do próprio mestre,
independente do quão artisticamente
satisfatória ela seja em todos os outros níveis.”
(Eleanor Heartney, jornalista e comentadora de
arte contemporânea)
Valorizar a
história de vida dos indivíduos é um dos primeiros passos para ressignificar conceitos,
derrubar preconceitos, contar o que não foi contado, produzir conhecimentos, e
o que é mais importante, valorizar a subjetividade e as emoções humanas.
Um trabalho
que se propõe a discutir História da Arte deve buscar tal intento. O presente
texto então, vem mostrar e contextualizar a vida e a obra de um dos maiores
pintores primitivistas do Brasil e do mundo, Chico da Silva. Sabe-se que as
manifestações artísticas são endêmicas em toda e qualquer sociedade e que na
maioria das vezes sua importância e seu valor são proporcionais ao poder
político e econômico dessa sociedade. Nesse contexto, o que se torna mais
conhecido, mais importante é apenas uma consequencia da força geopolítica.
Meio mundo é influenciado pela cultura grego-romana. As idéias e
concepções ainda hoje são refletidas em várias de nossos construções sociais.
Não queremos aqui desvalorizar a grande produção artística da Europa, até mesmo
porque ela é legítima e de qualidade. No entanto, ela não existe sozinha.
Várias outras culturas e sociedades possuem manifestações com valor estético e
histórico de igualdade magnitude. Portanto, as manifestações da Arte incorporam em sí um
significado cultural e que pode, partir de uma realidade local, buscar coro em
outros espaços e tempos. A compreensão dessa realidade, adquire um caráter de
sistema a partir do momento em que ao explorar a sensibilidade percebe-se que
sua formação é essencialmente coletiva e que suas bases são tão amplas e tão
profundas como a própria vida social. A ligação entre arte e vida coletiva
existe no plano simiótico e se materializam em uma forma de viver e traz ainda
um modelo específico de pensar o mundo e com este relacionar-se.
Estudar Chico da
Silva, portanto, vêm ao encontro desse objetivo. Mostrar como um homem simples,
pobre, analfabeto pode construir um legado artístico único e original. O poder
criativo dos indivíduos, conforme já afirmamos, é nato, mas também pode ser
influenciado pelo meio, (...) Assim como a
cultura nos modelou como espécie única - e sem dúvida ainda nos está modelando
- assim também ela nos modela como indíviduos separados. É isso o que temos
realmente em comum - nem um ser subcultural imutável, nem um consenso de
cruzamento cultural estabelecido.”
(GEERTZ,l989,p.64)
A Arte é a
expressão do belo. Esta definição, comum até há algumas décadas, conduz a outra
questão: O que é belo? Aí, a resposta se torna bem mais complicada. O
que é motivo de escárnio para uns, transforma-se em emoção para outros. Arte é
contradição. O artista interpreta o mundo em que vive e não pode estar alheio
às mudanças da própria sociedade. Caminha com elas e até adiante delas,
provocando escândalo e reações iradas dos mais conservadores. O artista
não busca a unanimidade; não é um copista, é um desbravador: busca o diferente onde todo mundo só vê o igual.
Acretidamos
que é dentro desse raciocínio que estudar o pintor cearense Chico da Silva se
justifica. Possuidor de um estilo ímpar o artísta retratou suas vivências suas
raízes com traços e cores carregados de simbolismo,de cultura.
02. BIOGRAFIA
Marcadas pelo talento, o
acaso e a decadência, a vida e a obra de Chico da Silva são das mais intrigantes da História da Arte
brasileira e também um retrato da falta de suporte por parte do governo e dos
próprios artistas em oferecer a oportunidade de um grande artista, ainda que
simples, como Chico da Silva -
analfabeto toda a vida - de se profissionalizar.
Francisco Domingos da
Silva nasceu no Acre, e aos 10 anos veio para Pirambu, bairro pobre de
Fortaleza. Perdeu o pai logo depois passando a fazer todos os tipos de serviços
- consertando sapato, fogão, cobrindo guarda chuva, etc. Em suas muitas
andanças pela cidade, Chico às
vezes parava em frente a um muro branco e fazia desenhos com carvão ou tijolo,
colorindo-os com folhas. Foram estes desenhos, na Praia Formosa, que chamaram a
atenção do crítico de arte e pintor Jean-Pierre Chabloz que passou a procurá-lo
e foi seu primeiro incentivador.
Chabloz ensinou Chico da Silva a pintar com guache e
passou a dar o material para que ele pintasse, além de comprar todas as suas
telas - comprou mais de 40. Foi por intermédio dele que Chico da Silva expôs, pela primeira vez, no III Salão Cearense de
pintura e no Salão de Abril de 1943, em Fortaleza. Em 45, junto com outros
artistas cearenses, expõe na Galeria Askanasy e, durante a década de 50, suas
obras vão ser vistas em várias galerias da Europa, conseqüência de um artigo a
seu respeito no Cahiers d’Art, conceituada publicação francesa, que o
considerou um pintor genuinamente primitivo.
Deslumbrado com o dinheiro
e a fama, Chico da Silva passa a
gastar com álcool e mulheres; atento à supervalorização dos seus quadros, quer
produzir cada vez mais, e passa a recorrer a ajudantes, na verdade meninos e
meninas que pintavam os quadros que ele só assinava - cerca de 90% dos quadros
com data posterior a 72 eram falsos. A esta altura o artista estava cercado de
aproveitadores que o exploravam, exigindo cada vez uma produção maior, vendendo
quadros de Chico em mercados,
feiras e até na porta de hotéis, por valores ínfimos.
Em meio a denúncias de
falsificação, Chico da Silva é
indicado para expor na XXXIII Bienal de Veneza, em 66, onde recebe Menção
Honrosa. Chabloz, decepcionado com os rumos que artista e obra tomaram, rompe
com ele em 69, afirmando em um artigo do Jornal do Brasil, intitulado Chico da Silva ou a ingenuidade
perdida, que sua arte estava morta.
A processo de decadência
do artista se agrava com a morte da mulher, Dalva, em 75, e tem seu ápice em
1976, quando foi internado com cirrose hepática e tuberculose crônica,
permanecendo um ano no hospital. Mesmo se recuperando fisicamente, Chico continuou bebendo e jamais
conseguiu recuperar sua arte. O maior artista primitivo do Brasil, que imprimia
nas suas pinturas toda a mitologia da região amazônica realizava através de uma
expressão quase surrealista, e que está representado nas maiores coleções do
mundo - como a da Rainha da Inglaterra - nunca teve suporte para estruturar sua
carreira, apenas incentivos isolados, que o jogou em um meio desconhecido que o
deslumbrou e, dentro do qual, sem orientação, acabou por perder-se.
04.
A DESCOBERTA, O ENCONTRO, OS
DEPOIMENTOS, AS INTERPRETAÇÕES
Jean-Pierre Chabloz,
nascido em 1910 em Lausanne, Suíça, e falecido em 1984 em Fortaleza, recordou:
“... eu passeava ao longo da praia
Formosa quando, de repente, minha atenção foi atraída por estranhos desenhos
que enfeitavam algumas casinhas de pescadores. Intrigado, aproximei-me para ver
aquilo mais de perto.” Era o ano de 1943 e Chabloz e Chico da Silva tinham,
ambos, 33 anos.
Continuou Chabloz: “Amplamente
esboçados a carvão ou giz, havia grandes pássaros de linhas elegantes, peixes
um tanto monstruosos, estranhas aparições de navios-fantasmas. O que me chamou
a atenção e me seduziu logo nesses desenhos elementares foi sua originalidade,
seu estilo nitidamente arcaico e seu admirável poder de evocação poética.
Entusiasmado, procurei saber quem era o autor dessas composições murais. ‘É um
cara meio louco’, responderam. É um caboclo que veio não se sabe de onde, se
diverte rabiscando os muros e desaparece, sem deixar endereço’.“
Chabloz descobriu e
projetou Chico da Silva no cenário artístico nacional e internacional. Sob a
orientação de Chabloz, Chico progrediu. “Permanecendo fiel a seu universo
interior e não alterando em nada sua preciosa visão de poeta, Francisco corria
de descoberta em descoberta e conquistava galhardamente um real domínio
artístico e técnico”, registrou Chabloz. Lucien Finkelstein, fundador e
presidente do Museu Internacional de Arte Naif do Brasil (MIAN), comenta sobre
a projeção de Chico da Silva:
“Muitos ‘naifs’ brasileiros são
reconhecidos no exterior, como Chico da Silva, que ganhou o prêmio ‘Menção
Honrosa’ de pintura, em 1966, na 33ª Bienal de Veneza, a mais importante
exposição mundial de arte contemporânea. O prêmio de Chico da Silva é um feito
único para a pintura brasileira de todos os tempos.”
Explica Lucien
Finkelstein: “O adjetivo francês ‘naif’ vem do latim ‘nativus’, que significa
nascente, natural, espontâneo, primitivo. Assim, pode ser substituído também
por ingênuo e primitivo, mas as três palavras devem ser tomadas ao pé da letra.
Todas têm origem no Latim: ingênuo vem de ‘ingenuus’ (nascido livre) e
primitivo, de ‘primitivus’ (que pertence ao primeiro estado de uma coisa).
Essas três definições poderiam servir para caracterizar a pintura ‘naif’, que é
natural, livre e pura.” Chico da Silva enquadra-se no conceito de ‘naif’, na
forma conceituada por Lucien. Avaliou o próprio Chabloz: “Francisco Silva,
primitivo em muitos aspectos de sua natureza, era ainda muito criança. De sua
ingenuidade atraente, e de sua pequena astúcia também, me dava mostras
engraçadas, às vezes.”
Chico pintava por sua
habilidade e por sua aptidão, não por ciência ou conhecimentos. Autoditata, ele
pintava sem regras e sem constrangimentos. Era o criador de suas obras e, como
observou Chabloz, sua pintura tinha originalidade.
André Malraux, ministro da Cultura da
França, disse sobre Chico: “um artista primitivo entre os maiores do mundo”. Rubem
Navarra, crítico de arte, comentou em 1945: “Devo dizer que os guaches desse
artista indígena são qualquer coisa de muito sério. Na arte brasileira só
Cícero Dias, há dez anos, me dera uma impressão de ingenuidade lírica tão
poderosa, aplicada à pintura.”
Antes de Chabloz, Chico
ganhava a vida consertando guarda-chuvas e fazendo fogareiro de lata para
vender, lembra Ivan, um dos integrantes da Escola do Pirambu. Chico não era
ligado a nenhuma escola ou grupo. Ele, sim, criou uma escola e criou um estilo.
Ele criou uma escola localizada no bairro Pirambu, em Fortaleza, formada por um
grupo seguidor de seu estilo.
Na arte, segundo Luiz
Fernando Marcondes, estilo é a “maneira de expressão característica e
diferenciadora de um artista ou de um grupo, em qualquer arte”, enquanto escola
é o termo empregado quando nos reportamos ao critério geográfico, de acordo com
a tendência atual. O estilo de Chico é original e inconfundível: os pássaros,
os peixes e os outros animais pintados tanto por Chico como pelos seus
seguidores constituem a simbologia da Escola do Pirambu. Inexiste nada parecido
na pintura mundial, por isso Chabloz apresentou Chico da Silva como “o índio
que reinventou a pintura.”
O grupo da Escola do Pirambu era
formado por Babá, o primeiro discípulo (Sebastião Lima da Silva), Claudionor
(José Cláudio Nogueira), Francisca (Francisca Silva), já falecida, Garcia (José
Garcia de Santos Gomes) e Ivan (Ivan José de Assis).
O autor vem incentivando o
grupo a continuar a produção de obras no estilo criado por Chico da Silva ou à
luz da simbologia da Escola do Pirambu, uma marca registrada do Ceará. O autor
também vem estimulando Gerardo da Silva, neto de Chico e filho de Francisca
Silva. Escolas, fundadores de escolas e seguidores ou discípulos fazem parte da
história da arte. Não é demérito ter obra de um seguidor ou discípulo. Sugeriu
Chabloz: “Do ponto-de-vista prático, é certo que, ao primeiro olhar lançado
sobre os guaches de Francisco Silva, não se pode deixar de pensar no
aproveitamento que deles poderiam fazer as vulgarmente chamadas ‘artes
aplicadas’. A cerâmica, o tecido estampado, o papel-parede, o bordado, a
tapeçaria, encontrariam no Pintor da Praia um criador infinitamente precioso.”
Chabloz, lembra Estrigas,
“possuía, além do desenho, da pintura e da música, conhecimentos de filosofia,
envolvia-se com as ciências ocultas, era um animador cultural e ótimo
conversador, trazendo uma cultura européia e sendo muito sensível ao que era
nosso.” Disse Chabloz sobre o Ceará: “De todos os Estados brasileiros, o Ceará
é, muito provavelmente, o mais autóctone, o mais autêntico, o mais original.”
05.
RESUMO DIDÁTICO
|
||
Nascimento:
1910 - Alto Tejo AC
Falecimento:
1985 - Fortaleza CE - 6 de dezembro
Cronologia
Pintor,
desenhista, sapateiro, ajudante de marinheiro
1935
- Fortaleza CE - Muda-se com a família para o bairro de Pirambu
1937
- Fortaleza CE - Começa a desenhar a carvão e giz sobre muros e paredes de
casebres de pescadores
1943/1945
- Fortaleza CE - Incentivado pelo crítico e pintor suíço Jean Pierre Chabloz,
começa a pintar na técnica do guache
1961/1963
- Fortaleza CE - Através de Chabloz, trabalha no recém-criado Museu de Arte
da UFCE
1971
- Fortaleza CE - Treze reproduções de seus trabalhos são publicadas no
calendário do Banco do Nordeste
1952
e 1969 - Paris (França) - Jean Pierre Chabloz publica o artigo Um índio
Brasileiro Reinventa a Pintura, sobre seu trabalho. Em 1969, porém, Chabloz
publica um outro artigo no Jornal do Brasil: Chico da Silva ou a Ingenuidade
Perdida, comentando o retrocesso que sua obra vinha sofrendo nos últimos anos
1975
- Pedro Jorge de Castro realiza um filme sobre sua vida e obra
1976
- A SBPC, em sua reunião anual, dedica uma mesa de debates ao artista
1976/1980
- Fortaleza CE - É internado devido ao agravamento de cirrose hepática e
tuberculose, sendo, posteriormente, encaminhado a um hospital psiquiátrico,
onde permanece por quatro anos
1978
- São Paulo SP - Agraciado com a Medalha Anchieta pela Câmara Municipal
1981
- Fortaleza CE - Retoma a pintura após afastamento por motivos de doença
1984
- Fortaleza CE - Agraciado com a Medalha da Abolição pelo governo do estado
1988
- Fortaleza CE - Estrigas publica um livro sobre o pintor
1989
- Fortaleza CE - É lançado o livro Chico da Silva: Do Delírio ao Dilúvio, com
texto de Roberto Galvão
|
Garcia, como é conhecido, é um dos principais artistas do Pirambu, em Fortaleza (CE).
ResponderExcluirInfluenciado diretamente pelo seu contato com o pintor primitivista Chico da Silva, o artista é famoso por seus quadros que retratam seres mitológicos e fantásticos, sempre com cores muito vivas e riqueza de detalhes. Suas obras são criadas usando tinta para tecido sobre as telas.
" No ano de 1964, aproximadamente, eu conheci o fabuloso Chico da silva, mais conhecido como Chico pintor, naquela época, no bairro do Pirambu.
Eu ainda era garoto e morava na outra rua, com quintal correspondente ao dele e sempre que eu vinha do colégio, passava por lá para apreciar as suas pinturas que eu achava muito lindas, muito misteriosas (...) Aí um dia ele me perguntou se eu queria aprender e eu disse que sim." (José Garcia)
"A PINTURA TEM MUITO A VER COM SEU ESTADO ESPIRITUAL, SUA ALMA E A SUA MENTE"
(JOSÉ GARCIA)
Contatos:
(85) 98716-4653(oi)
(85) 99739-0490(tim)