quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Um pai sábio.

Mais uma vez publico aqui no meu espaço de "diarreias mentais" um texto do meu amigo Aglailson. Anteriormente divulgamos seu artigo sobre José Saramago e agora apresento-lhes um contro sobre visão de mundo e política. Foi um pedido meu. É uma leitura interessante para fomentar debates.

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Um pai sábio*

*Por: José Aglailson Lopes Pinto
                                              Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC) 

Soubera, pelo pai, que as coisas mudaram. Ouvira várias vezes, do pai, que o país entrara num regime totalitário. Mas como o pai soubera de tudo isso, se era um homem de pouca instrução, homem pouco escolado, homem que mal chegara às primeiras letras? Sem contar que os veículos de informação estavam calados. Paz ou medo e terror?
         O pai trabalhara na antiga RFFSA, lugar de bons debates sobre a situação política e social do país. José ouvia isso todos os dias:
         ─ Esses filhos da puta não passam de pau-mandado dos gringo!
         A mãe, pessoa mais comedida e menos passional, procurava atenuar:
         ─ Não fala coisa sem sentido, o menino pode entender errado.
         E o pai acentuava o discurso:
         ─ Errado é essa porra de ditadura que meteram no país!
         E a mãe buscava contrapor quase que apelativamente:
         ─ Tu tem irmão militar, será que eles são pau-mandado?
         E o pai revidava:
         ─ São e são também covardes. Essa ditatura só persegue a classe trabalhadora e quem defende a classe trabalhadora. Já disse isso uma vez pro Pedro, mas ele só riu.
         ─ O Pedro é teu irmão mais velho, faz é rir de tuas doidices!
         ─ Doidices?! Acho até que ele concorda comigo, só não tem coragem de dizer. É um covarde!
         José ouvia e procurava também dialogar:
         ─ Mas, pai, o tio Pedro não é covarde! Ele é um homem bom e muito inteligente. Gosto muito de conversar com ele. As suas histórias são muito boas.
         ─ Mas é medroso, não defende quem deveria defender, não toma partido.
         E mãe questionava:
         ─ Mas como ele pode tomar partido, homem de Deus?!
         ─ Não sei. Talvez saindo dessa porra que fizeram com as Forças Armadas do país.
         ─ É bom lembrar que um dia tu serviu o Exército!
         ─ Lembro, mulher! Isso eu não esqueço. No tempo que servi, os militares tinham lado, o lado do povo, o lado do país e de seu povo. Hoje, o lado deles é o do grande empresário. O lado deles é o de fora do país. Eu só queria, juro, só queria três meses de Fidel Castro aqui!
         ─ Tu é doido, Francisco, aquilo é ditador comunista!
         ─ Se ser comunista, Maria, é ter lado, e esse lado é o do povo, está é valendo, pois é isso que Fidel faz em Cuba, vê e age pelo seu povo.
Quarenta anos se passaram, e José não tirava essa imagem da cabeça.
─ O pai era sábio, meu Deus! O pai era um sábio! Como pode um homem com pouca instrução ter tanto conhecimento de geopolítica? O pai era definitivamente sábio. Quando chegarão os três meses de Fidel?

* Professor mestre em língua portuguesa.

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