terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A NARRATIVA CULTURAL DE JOSÉ SARAMAGO: uma proposta de incentivo à Cultura

José Aglailson, um professor. Gentil, simpático, sarcasticamente humorado, inteligentemente simples e organicamente humilde. Alguém que tive a satisfação de conhecer em 2015. É uma honra publicar seu artigo acadêmico aqui neste blog onde normalmente só passeiam minhas diarreias mentais.


Por José Aglailson Lopes Pinto[1]

                                              Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFCE)
 

Visão cosmogónica de um escritor de certa idade que não se resigna a não saber onde vive: e se o universo não fosse mais do que um corpo, a nossa galáxia uma célula, o sistema solar um átomo, o Sol o núcleo dele, e a Terra uma dos seus electrões? Que seres seriam esses que viveriam em cima de um electrão? (José Saramago)


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

            O direito à cultura é algo que deve ter caráter universal, deve ser preconizado pelas mais diversas manifestações de arte, inclusive a literária, que é objeto deste nosso trabalho. A Literatura é uma das manifestações artísticas que requer um trabalho de construção e intelecção solitário. Trata-se de um trabalho que precisa de uma expectativa assegurada, isto é, o produtor de texto elabora o seu trabalho com a intenção de que essa produção seja vista, lida e interpretada. A leitura, teoricamente, só se processa após a interpretação, ou seja, só existe leitura se houver compreensão. Esta nossa tese comunga com o que o escritor lusitano José Saramago defende em seus escritos. Um texto só existe se lido for. E no tocante aos elementos da narrativa, Saramago inova ao afirmar e confirmar a morte do narrador. Para ele o que existe é quem produz o texto, como bem se pode verificar em seu livro de memórias denominado Cadernos de Lanzarote, ao questionar a existência do narrador. Mais uma vez afirmamos que, para Saramago o que existe é quem produz, não que o autor ou autora sejam personagens, mas ele ou ela estão ali no texto, talvez à espera de quem os definam: “Veja lá, é o Saramago que revela a Lisboa Medieval, não é um ser onisciente e transcendente chamado narrador”. Mas, e em relação à Cultura, à História, a Portugal? Neste tópico o lusitano autor questiona mais do que afirma ou explica, a saber:

Que é, ou quem é Portugal? Uma Cultura? Uma História? Um Adormecido Inquieto? Por que é que, quando se fala de Portugal, sempre hão-de ser invocadas a sua história e a sua cultura? Se estivermos a falar de outro país, a história e a cultura dele só serão chamadas à conversa se forem esses os temas em debate. Talvez que esta necessidade de apelarmos constantemente para a história e para a cultura portuguesas provenha de um certo caráter inconclusivo (não no sentido que sempre será o de um qualquer processo contínuo, mas no sentido de permanente “suspensão”) que ambas parecem apresentar. Da história de Portugal sempre nos dá vontade de perguntar: porquê? Da cultura portuguesa: para quê? De Portugal, ele próprio: para quando? Ou: até quando?[2]

  No que tange à motivação da construção deste artigo, começamos a moldá-lo nas primeiras aulas da cadeira de Direitos Culturais, do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza), mais especificamente, a partir da fala do Professor Humberto Cunha[3], chefe da disciplina, ao mencionar o valor universal das culturas, bem como as diversas definições que comportam à palavra cultura. Também nos sentimos instigados e provocados a partir do momento em que o aludido Mestre mencionou a leitura de dois romances de José Saramago, Memorial do Convento e Caim. Como apreciadores da produção do autor português, sentimo-nos motivados a estabelecer uma analogia entre a literatura de Saramago, a sua narrativa em Viagem a Portugal, e o valor intrínseco à Cultura que, direta ou indiretamente, encontramos neste livro. Saramago é um autor motivado pelos registros e valores culturais, a sua linha de narração revela alguém comprometido com a divulgação da cultura enquanto entidade universal, não só de um povo, ainda que o livro em pauta apresente, majoritariamente, relatos da cultura lusitana. Saramago, por assim dizer, segue a máxima de Tolstoi de que “A arte é um dos meios que une os homens”, no entanto, o autor de Caim, estende a sua interpretação para além de uma visão meramente estética, e pode soltar a plenos pulmões que “ A Cultura é um dos meios de unir os homens, para humanizá-los”. Pode-se questionar onde se encontra esta sentença de Saramago, e nós afirmamos que, em toda a sua produção, Saramago é alguém que cuida em se preocupar com a humanidade, às vezes condenando-a, às vezes perdoando-a, mas a humanidade é tema recorrente em seus escritos, daí um meio pertinente de se fundir os seres que se dizem humanos, através da Cultura e das Culturas. Se o ser tem cultura, ele não pratica a intolerância. Recorremos aqui a máxima de Raymond Williams sobre a sociologia da cultura e sua convergência. Entendemos que Williams amplia o conceito de cultura para além das particularidades meramente artísticas ou artesanais. A conferir.

            A sociologia da cultura, ao entrar na segunda metade do século XX, compunha-se largamente da atividade desenvolvida a partir dessas duas posições, a maior parcela de grande valor local. Cada uma dessas posições representou uma forma daquela convergência de interesses, exemplificada de maneira notável pelo próprio termo “cultura”, com sua constante e ampla gama de ênfases relacionais. Porém, nas obras contemporâneas, embora cada uma das posições anteriores ainda se mantenha e seja praticada, vai-se tornando evidente uma nova forma de convergência.[4]

  Portanto o nosso trabalho se fundamenta nos valores culturais estabelecidos na narrativa memorialística de José Saramago com o fito de afirmar que o autor em tela busca na alusão cultural um meio de interação entre os seres humanos em seu mais amplo sentido. Amparado e embasado, pois, em regimentos normativos de incentivo à Cultura, conforme o artigo da Constituição Brasileira de 1988.

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.[5]  

Assim construímos o nosso trabalho tendo o texto de José Saramago como norteador de uma valorização da Cultura. Entretanto não nos limitamos ao contexto literário, buscamos, pois, associar a questão cultural e literária do autor de Viagem a Portugal, tendo por fundamentos as diretrizes do Direito na área da cultura.
   
A NARRATIVA CULTURAL DE JOSÉ SARAMAGO

            José Saramago é o autor de maior relevo na história da literatura portuguesa contemporânea. Os motivos são vários, e um desses motivos é o de ter sido contemplado com o Nobel de literatura em 1998. A dimensão de sua obra ganhou um vulto por demais considerável após o Nobel, mas quem admira a produção deste autor lusitano não enfoca apenas este prêmio como o motivo maior de sua representatividade histórica, cultural artística, linguística e literária. A sua produção aborda temáticas que intrigam muito aqueles que tentam tirar conclusões antecipadas sobre os seus escritos. Saramago é antes de tudo um pesquisador contumaz, que busca na essência do tema a principal marca do desenvolvimento narrativo. E uma dessas preocupações centra-se no incentivo, divulgação e na preservação cultural. A cultura para este autor português pode ser compreendida tal qual a observamos nas diretrizes culturais de teor universalista. Esta nossa afirmação parte do pressuposto do artigo 216 da Constituição Federal Brasileira.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, ecológico e científico. [6]

Não buscamos aqui tornar Saramago brasileiro, mas apenas estabelecer uma analogia entre a percepção de cultura deste autor e as diretrizes legais que abrangem a cultura no Brasil.
Em seu livro Viagem a Portugal, José Saramago, motivado por outro autor lusitano, Almeida Garrett, relata acontecimentos de uma experiência cultural que teve ao viajar por sua pátria. Diferentemente de Garrett, José Saramago não cria uma narrativa dentro da narrativa, mas narra a única história possível, sendo o seu protagonista. No autor romântico é patente a intenção de estabelecer uma narrativa sentimental em idos dos anos de 1830. Garrett, em suas experiências políticas e sociais, nas suas Viagens na minha Terra, alimenta o leitor de fatos verídicos e inventivos, trazidos pela pena de um autor de gênio que bem conhecia a sua época como poucos. Almeida Garrett tinha um projeto artístico pronto, no entanto esse projeto esbarrou nos acontecimentos políticos que assolaram Portugal com a peleja entre D. Pedro IV e seu irmão D. Miguel. Como escritor romântico, Garrett não poderia se esquivar da proposta estética que tomou a Europa ainda no século XVIII, com os adventos de duas revoluções, a inglesa, centrada na indústria, e a francesa, mais preocupada com a política e seus desdobramentos sociais. Na linguagem e na intenção literária podemos observar desde o princípio da narrativa de Almeida Garrett esta fixação nos termos estéticos, conforme se bem observa na passagem que se segue:

Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há de fazer crônica.[7]

A intenção de Almeida Garrett é mais estilística do que cultural, mas isso não quer dizer que o autor não tenha a preocupação de externar o seu apreço pelos valores históricos e culturais de sua terra, como bem se verifica em toda a narrativa das Viagens. Já Saramago pega da pena de Garrett para relatar as vivências de uma terra pequena, mas extensa em valores culturais. Este autor não cria uma segunda história, no entanto, em momentos da Viagem a Portugal, ele colhe fatos de personagens simples, porém de profundo conhecimento telúrico, o que possibilita a Saramago uma interação entre o seu plano de viagem e a sua conduta literária-cultural. Nesta o autor contemporâneo relata e descreve as orquestrações[8] arquitetônicas presentes em Portugal entre os hemisférios traçados pelo escritor. Portugal é a sombra do que foi no passado, mas Saramago resgata o valor intrínseco que a cultura de sua gente mais simples tenta preservar, mesmo com o desprezo das autoridades. Em sua Viagem, o autor descreve a arquitetura das igrejas, revelando a sua preocupação quanto à preservação dos patrimônios não só lusitanos, mas da humanidade. Parece estranha essa preocupação de Saramago na preservação da arquitetura das igrejas, uma vez que é notadamente explícita a sua aversão aos dogmas eclesiásticos. Entretanto o que pretende o autor é a valorização de uma estrutura arquitetônica, recorrendo-se a apelos de preservação, pois as construções das igrejas não são apenas patrimônio da cúria, mas da história da cultura e, por extensão, da humanidade, ainda que Roma discorde da proposta do autor do Evangelho segundo Jesus Cristo.
Outro marco no livro Viagem a Portugal é a associação e o dialogismo entre literatura e arquitetura. O autor  através do texto tende a reconstruir a imagem daquilo que foi, é ou o que poderia ter sido.[9] Vejamos esta passagem que justifica o que se mencionou no período anteriormente transcrito, uma alusão artística, histórica e cultural, ainda que de forma irônica, mas quem lê Saramago sabe que esbarrará em ironias por demais finas e inventivas, porém cativantes e incentivadoras à continuação da leitura. Vejamos, pois:


O viajante procura a igreja matriz da terra. Fica a um lado, virada para o vale, e, assim implantada, dando a face aos ventos, percebe-se que mais a tenham feito fortaleza do que templo. Com uma porta sólida, trancas robustas, mouros que viessem teriam sido vencidos como os venceu aqui Fernando Magno, rei de Leão, no ano de 1057, ainda faltavam quase cem anos para Portugal nascer. A prova de que esta igreja foi concebida para fortim, tanto, vá lá, como casa de oração, está nas paredes grossas e lisas, contrafortadas, de poucas frestas. E o torreão, recolhido em relação à vertical da fachada, seria posto de vigia, aberto aos quatro pontos cardeais. Para poder vê-lo, e ainda assim incompletamente, teve o viajante de recuar muito, ir colocar-se no extremo do terreiro. Não estava ali para brincadeiras o torreão.[10]

A questão da cultura na produção saramaguiana transcende o aspecto literário. Mesmo sabendo que o livro em pauta não corresponde às fortes obras literárias que nomearam o autor no cenário da literatura universal, podemos inferir da Viagem que esta se trata de uma produção híbrida em termos culturais, literários, históricos e estéticos. Podemos também considerar a sua relevância no que consiste a tradição histórica de Portugal. Desta feita, não limitamos a obra de José Saramago apenas ao aspecto histórico, pois este autor, em seus escritos, procura ir além desta mera convenção criada por críticos apressados em delimitar o potencial literário do autor português. A história em Saramago, aquela que os historiadores adoram visitar e revisitar, pode não ser a oficial, para não dizer oficiosa, a história em Saramago é o contexto que se desenvolve a partir das vontades dos verdadeiros personagens históricos, ou seja, dos personagens que recriam a história, dos personagens que até modificam a história através de um simples sinal gráfico, conforme se verifica na História do cerco de Lisboa. José Saramago procura desenvolver uma linha de raciocínio lembrando as máximas de Padre Antônio Vieira, ao dizer que um texto pode ser modificado com a má colocação de uma vírgula. Porém, não nos tomamos apenas pelos estratagemas literários do autor, procuramos reconhecer na Viagem a Portugal um modelo de relato cultural, visto que o leitor viaja com o viajante-autor e com ele sente os arrepios de uma pátria que busca resgatar o seu valor na história cultural.
A respeito de sua fibra de contador de história, o próprio Saramago reconhece o valor de um estilo que mais se aproxima da tradição oral do que da literatura em essência. Nessa consideração, o autor vai além do que se convenciona chamar linguagem literária, expõe sem temor, mas em teimosia, a sua sincera opinião no tocante ao valor do texto ou da tradição cultural repassada pela fala.

Regresso a um tema recorrente. Todas as características da minha técnica narrativa actual (eu preferiria dizer: do meu estilo) provêm de um princípio básico segundo o qual todo o dito se destina a ser ouvido. Quero com isto significar que é como narrador oral que me vejo quando escrevo e que as palavras são por mim escritas tanto para serem lidas como para serem ouvidas.[11]

            Na narrativa de Saramago está evidente a sua percepção de autor engajado na promoção da cultura através de seus textos. Sejam nos romances, nos contos, nos poemas, nas peças de teatro ou nos artigos escritos para revistas especializadas, o autor português confirma uma preocupação: a conservação do patrimônio histórico-cultural. Isto nos remete às disposições preliminares de nossa lei de incentivo à cultura, a saber:

Art. 1° Fica instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de modo a:
I - contribuir para facilitar, a todos, os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos direitos culturais;
II - promover e estimular a regionalização da produção cultural e artística brasileira, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais;
III - apoiar, valorizar e difundir o conjunto das manifestações culturais e seus respectivos criadores;
IV - proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasileira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional;
V - salvaguardar a sobrevivência e o florescimento dos modos de criar, fazer e viver da sociedade brasileira;
VI - preservar os bens materiais e imateriais do patrimônio cultural e histórico brasileiro;
VII - desenvolver a consciência internacional e o respeito aos valores culturais de outros povos ou nações;
VIII - estimular a produção e difusão de bens culturais de valor universal, formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória;
IX - priorizar o produto cultural originário do País.[12]

Poder-se-ia estabelecer um questionamento relevante, diga-se de passagem, acerca do autor português associado ao contexto brasileiro. Essa questão é inevitável, porém podemos esclarecer que entre as nações da Comunidade de Língua Portuguesa existem acordos culturais estabelecidos de Portugal para com o Brasil, e do Brasil para com Portugal, devendo, portanto, serem não só considerados, mas sobretudo respeitados. Vejamos os textos em que nos fundamentamos, para expor a narrativa cultural de Saramago com o valor não só para Portugal, mas também para aquelas nações que estão submetidas ao acordo anteriormente mencionado. Aqui nos propomos a engajar a narrativa saramaguiana com o fito de valorizar a nossa percepção cultural brasileira, de Portugal para com o Brasil:

Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000
Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000.
A  Assembleia da República resolve, nos termos da alínea i) do artigo 161.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, aprovar, para ratificação, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro em 22 de Abril de 2000, cujas duas versões em língua portuguesa seguem em anexo.
Aprovada em 28 de Setembro de 2000[13]

            E do Brasil para com Portugal:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição,
        Considerando que os Governos da República Federativa do Brasil e da República Portuguesa celebraram, em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000, Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta;
        Considerando que o Congresso Nacional aprovou esse Acordo por meio do Decreto Legislativo no 165, de 30 de maio de 2001;
        Considerando que o Tratado entrou em vigor em 5 de setembro de 2001;
        DECRETA:
        Art. 1o  O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro, em 22 de abril de 2001, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém.
        Art. 2o  São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Tratado, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
        Art. 3o  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de setembro de 2001; 180o da Independência e 113o da República.[14]

            Algo de relevo que deve ser por demais considerado em se tratando de Direito, e, principalmente, do direito à Cultura, como buscamos defender neste artigo que procura associar vertentes culturais a partir do texto de teor literário.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pretensão de maior relevo de nossa pesquisa não foi a de analisar em profundidade estilística e literária a produção do autor português José Saramago, mas, e sobretudo, a de revelar, através da leitura de seus relatos culturais, mormente em Viagem a Portugal, a percepção universalista de cultura que permeia a obra deste autor lusitano. Como poucos em seu tempo, Saramago revela um ser angustiado pelos desdobramentos políticos e culturais que o cercam em Portugal e na Europa, no entanto o seu espólio atravessa fronteiras e esbarra neste lado do Atlântico. Portanto o nosso discurso busca apresentar um autor preocupado no que vai deixar como ideias relevantes às gerações futuras. Talvez Saramago não concordasse com esta afirmação, mas não nos resta outra ideia senão a de constatar que José Saramago, sim, viveu para pensar em um mundo bem melhor, expostos através de suas linhas de percepção histórica, cultural, artística, literária e, por assim dizer, humanística. No entanto a humanidade teima em não se humanizar. O que fazer então? Saramago nos apresenta um meio por demais importante para a epifania humanística: a valorização e preservação de nosso patrimônio artístico e cultural.
            Esta temática, exposta em nosso trabalho, não pode ser apenas um tema para um breve artigo. Trata-se de uma temática que pode gerar teses de mestrado ou de doutoramento. A leitura de Saramago envolve todo um contexto em que se insere a pessoa humana, seja ela de que lugar for. E a cultura pode ser compreendida em Saramago como um elemento de interação entre os povos. E entre os povos cuja língua em comum é a portuguesa, é uma marca significativa a dedicação do autor português em cooperar com o seu idioma par que as culturas possam se intercalar, gerando mais culturas que possam ser estudadas a partir de um movimento estético-literário. Saramago é autor de gênio por ser alguém que não nega as suas influências muito bem traçadas nas variadas formas de texto que este autor nos presenteou.

REFERÊNCIAS

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 07 nov. 2015. 



CORTÁZAR, Julio. Obra crítica, volume 2. Org. Jaime Alazraki. Tradução de  Paulina Wacht e Ari Roitman. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1999.

Fomento à cultura no Brasil. Org. Cibele Alexandre Uchoa, Daniela Lima de Almeida, Francisco Humberto Cunha. Fortaleza : IBDCult, 2015.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 17. ed. Rio de Janeiro : Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996.

GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. Rio de Janeiro : Nova Fronteira (Saraiva de bolso), 2013.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão... [et al.]. 5ª ed. Campinas, SP : Editora da UNICAMP, 2003.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo : Editora Cultrix, 1999.

MORAIS, Frederico. Arte é o que eu e você chamamos arte: 801 definições sobre arte e o sistema da arte. Rio de Janeiro : Record, 1998.

PORTUGAL. DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A - N.º 287, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2000. Disponível em: http://www.instituto-camoes.pt/acordos-culturais/root/cultura-externa/acao-cultural-externa/acordos-culturais. Acesso em: 07 nov. 2015.

SANTOS, Joel Rufino dos. Quem ama literatura não estuda literatura: ensaios indisciplinados. Rio de Janeiro : Rocco, 2008.
SARAIVA, Antônio José. Iniciação à Literatura Portuguesa. São Paulo : Companhia das Letras, 1999.

SARAMAGO, José. Cadernos de Lanzarote. São Paulo : Companhia das Letras, 1997.

________________. História do cerco de Lisboa. São Paulo : Companhia das Letras, 1989.

________________. Viagem a Portugal. São Paulo : Companhia das Letras, 1997.

WILLIAMS, Raymond. Cultura. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1992.

  

  
           


           


[1] Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFCE)
[2] SARAMAGO, José. Cadernos de Lanzarote. São Paulo : Companhia das Letras, 1997, p. 491. Com estas interrogações o autor se certifica, posteriormente, de um sentimento de perplexidade nacional, como que a continuar a indagar, sem obter as devidas respostas, senão um ciclo que permanece aberto por falta de um apelo crucial à valorização dos termos tidos e ditos lusitanos. 
[3] Francisco Humberto Cunha Filho é Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFCE). Doutor em Direito pela Universidade de Pernambuco (UFPE). Advogado da União. Pesquisador e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais.
[4] WILLIAMS, Raymond. Cultura. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 12.
[5] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 10 nov. 2015. 
[6] BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 7 nov. 2015. Este artigo e os incisos expressos denotam o interesse que temos pela valorização da cultura, bem como a defesa dos seus direitos. Em Saramago, mais especificamente no livro Viagem a Portugal, verificamos a aplicação consistente através de uma analogia entre a produção do português e as garantias do acesso à cultura veladas nos princípios constitucionais brasileiros. 
[7] GARRETT, Almeida. Viagens na minha terra. Rio de Janeiro : Nova Fronteira (Saraiva de bolso), 2013, p. 33. Observa-se, pois, a particularidade da linguagem romântica no apelo do autor ao seu leitor.
[8] Preferimos esta palavra por mencionar a harmonia artística e cultural visualizada pelo autor.
[9] As digressões em Saramago são uma das principais marcas de sua linguagem. Nesta afirmação pretendemos ratificar o intenso lamento de Saramago ao se deparar com estruturas já corroídas e gastas, mas também a conjectura do abandono por parte das autoridades em relação às construções arquitetônicas presentes no relato e na descrição de Saramago. O que seriam? Como seriam? Por que não foram?
[10] SARAMAGO, José. Viagem a Portugal. São Paulo : Companhia das Letras, 1997, p.227.
[11] SARAMAGO, José. Cadernos de Lanzarote. São Paulo : Companhia das Letras, 1997, p.223.
[13] PORTUGAL. DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A - N.º 287, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2000. Disponível em: http://www.instituto-camoes.pt/acordos-culturais/root/cultura-externa/acao-cultural-externa/acordos-culturais. Acesso em: 7 nov. 2015.